A TV já não tinha a minha atenção. A hora a menos de sono se fez ali credora; dormi no sofá. O pescoço mal acomodado e o corpo encolhido não impediram o cansaço.
A campainha toca. O susto acontece. Apaguei por horas que passaram como minutos ou minutos que pareceram uma eternidade? Não sei. Só sei que ainda chovia.
Então me dou conta de que o interfone não tocou. Quem seria? Não interessa, eu não estava em condições e trajes para receber ninguém.
Repito: mas o interfone não tocou. Me aproximo da porta.
- Quem é?
- Eu vim devolver o guarda-chuva que o senhor me emprestou.
A voz não tinha nada de familiar. Mas era suave. Vou até a cozinha e não há nenhum guarda-chuva faltando – quem anda a pé sabe que é bom ter mais de um.
Volto à porta. Parei diante dela e tentei me dar conta do que se passava. Não há tempo; ainda tem alguém do outro a espera.
Movido mais pela curiosidade do que pela coragem, entreabro a porta. Com ar perdido fito uma expressão ressabiada, quase assustada; talvez constrangida.
Era um belo rosto de traços marcantes. A pele naturalmente morena - aposto que é macia -, os cabelos ligeiramente encaracolados. Olhos castanhos escuros, quase negros; carentes.
- Eu vim devolver o guarda-chuva que um senhor me emprestou na entrada do prédio. Ele pediu que eu o entregasse no apartamento 123.
Minha paralisia já não era mais de susto. Era encanto!
- Putz, acho que houve um engano – respondi de imediato mas tentando ser acolhedor.
A cor morena não permitia vê-lo, mas tenho certeza de que ali havia um rubor. Só aumentou a minha empatia. A simpatia também.
- Acho que entendi o número errado do apartamento. Vou deixar o guarda-chuva na portaria. Desculpe-me
- Não tem problema.
Antes de fechar a porta, pensei num galanteio, num convite, num recurso para prolongar o momento.
E ali entendi que qualquer tentativa de dar propósito ao acaso roubaria a beleza daquele instante.
Fechei a porta. Sorri discretamente. Não quis entender o que se passou. Queria mesmo ter a certeza de ter sonhado acordado.
Um comentário:
Nem sempre a sorte bate a porta duas vezes, se ela não entrar puxe-a. rs
bjs
Je
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