segunda-feira, 29 de março de 2010

Um sonho bate na porta

A TV já não tinha a minha atenção. A hora a menos de sono se fez ali credora; dormi no sofá. O pescoço mal acomodado e o corpo encolhido não impediram o cansaço.

A campainha toca. O susto acontece. Apaguei por horas que passaram como minutos ou minutos que pareceram uma eternidade? Não sei. Só sei que ainda chovia.

Então me dou conta de que o interfone não tocou. Quem seria? Não interessa, eu não estava em condições e trajes para receber ninguém.

Repito: mas o interfone não tocou. Me aproximo da porta.

- Quem é?

- Eu vim devolver o guarda-chuva que o senhor me emprestou.

A voz não tinha nada de familiar. Mas era suave. Vou até a cozinha e não há nenhum guarda-chuva faltando – quem anda a pé sabe que é bom ter mais de um.

Volto à porta. Parei diante dela e tentei me dar conta do que se passava. Não há tempo; ainda tem alguém do outro a espera.

Movido mais pela curiosidade do que pela coragem, entreabro a porta. Com ar perdido fito uma expressão ressabiada, quase assustada; talvez constrangida.

Era um belo rosto de traços marcantes. A pele naturalmente morena - aposto que é macia -, os cabelos ligeiramente encaracolados. Olhos castanhos escuros, quase negros; carentes.

- Eu vim devolver o guarda-chuva que um senhor me emprestou na entrada do prédio. Ele pediu que eu o entregasse no apartamento 123.

Minha paralisia já não era mais de susto. Era encanto!

- Putz, acho que houve um engano – respondi de imediato mas tentando ser acolhedor.

A cor morena não permitia vê-lo, mas tenho certeza de que ali havia um rubor. Só aumentou a minha empatia. A simpatia também.

- Acho que entendi o número errado do apartamento. Vou deixar o guarda-chuva na portaria. Desculpe-me

- Não tem problema.

Antes de fechar a porta, pensei num galanteio, num convite, num recurso para prolongar o momento.

E ali entendi que qualquer tentativa de dar propósito ao acaso roubaria a beleza daquele instante.

Fechei a porta. Sorri discretamente. Não quis entender o que se passou. Queria mesmo ter a certeza de ter sonhado acordado.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nem sempre a sorte bate a porta duas vezes, se ela não entrar puxe-a. rs
bjs
Je